Zé Mangini*
Começando este ano de 2020 com força total, saúde e energia para fazer tudo que vier pela frente com a melhor disposição. No ano passado, a ideia do que seria necessário fazer para que as pessoas utilizem a Mediação como instrumento para resolverem seus conflitos foi o que mais me marcou e me moveu. O tema Confiança na Mediação surgiu como um dos caminhos óbvios. Fazer as pessoas e advogados confiarem no instituto da Mediação e em seu processo apareceu como uma das chaves. E é sobre isso que quero começar o ano falando.
Antes de falar da confiança na Mediação, vou esclarecer o meu entendimento acerca do conflito. Apesar de entender que a Mediação não deve ser somente aplicada em situações onde exista um conflito em qualquer fase dele. A Mediação é maior do que isto e suas aplicações vertem para outros campos.
Em toda a nossa vida, vivenciamos conflitos de todas as naturezas e de todas as maneiras. Conosco mesmo, com os Outros, em nossas relações pessoais, no trabalho, entre empresas, na sociedade, nas escolas, entre governos e comunidades. Somos partes ativas de um conflito. Por ser transdisciplinar, a definição de conflito extrapola qualquer definição com um único olhar e, talvez por isso eu não arrisque a definir.
A existência de conflitos proporciona o mais amplo leque de situações, sentimentos e emoções. Proporciona vitórias, impõe derrotas, organiza a vida, cria alianças, desfaz relações e mais um sem número de possibilidades. A certeza que temos é que qualquer conflito nos consome em todos os sentidos e interfere naqueles que estão à nossa volta. Isto é fato!
O conflito é co-construído por aqueles que nele estão envolvidos e são estes mesmos os co-responsáveis por encontrar um novo caminho que vise o benefício mútuo para a sua solução, restabelecendo, assim, um equilíbrio dentro daquele sistema.
Mas, se mudarmos o olhar para entender o conflito como uma necessidade de mudança de alguma coisa ou situação que nos incomoda ou que não nos serve mais, mudamos a perspectiva para algo que possa ser positivo, passando a ser uma experiência benéfica e construtiva se, tudo for muito bem administrado. Por sua vez, a resolução destes conflitos garantem, tal como o medo, a nossa sobrevivência. É decisivo e implica em tomada de decisões. Até mesmo a decisão de continuar convivendo com aquele conflito.
Cada conflito tem a sua dinâmica, sua intensidade, sua História, seu objeto e seus personagens próprios. Por isso podemos dizer que um conflito é vivo ao passo que ele nasce, se cria e se transforma, dentro de cada contexto, a partir das decisões tomadas pelos nele envolvidos.
Paz não é ausência de conflito (guerra) . Paz, pode ser entendida como a ausência de medo, conforme a física-pacifista, germano-canadense, Úrsula Franklin, em seu 1987 paper, Reflections on Theology and Peace. Digo ainda que para enfrentar o medo e o conflito, é necessário coragem.
E como tratar os conflitos tão frequentes em nosso cotidiano?
Cabe às sociedades modernas oferecerem e desenvolverem meios para que os conflitos sejam resolvidos, tratando os fatores que os provocam e oferecendo mecanismos para que estes sejam resolvidos pelas próprias pessoas, pelas empresas, pelos mercados, pelas sociedades e também pelo poder público.
A Mediação é um destes meios de resolução de conflitos. Realizada de modo voluntário e auto-compositivo entre os envolvidos no conflito, com vínculos duradouros, sendo o Mediador um terceiro, sem poder decisório, facilitador da comunicação entre eles, auxiliando as partes a refletirem sobre seus reais interesses, utilizando este, ferramentas e estratégias próprias para operar o conflito da forma que se apresenta em particular, para que, em co-autoria, as partes encontrem alternativas de benefício mútuo, levando em consideração o contexto e os históricos sócio-culturais de cada um dos envolvidos no conflito.
Mediação é um olhar e uma atitude para o futuro!
Em nosso ordenamento jurídico encontramos mais de 100 previsões à mediação, conciliação e à solução consensual, somente no Novo Código de Processo Civil, editado em 2015. Isto sem marcar a legislação específica (Lei da Mediação n. 13.140/2015) e as diversas Resoluções do Conselho Nacional da Justiça, Projetos de Lei em tramitação e outros ordenamentos específicos. Não é pouco.
Quem trabalha com gestão de controvérsias, bem como os operadores do Direito, definitivamente não podem alegar qualquer tipo de ignorância ou desconhecimento dos métodos auto-compositivos de resolução de conflitos. Está tudo lá: nos ordenamentos jurídicos, na prática consolidada há mais de vinte anos no Brasil e no exterior, bem como no dia-a-dia dos advogados, mostrando-se como um caminho sem volta.
E não podemos negar que não há nada mais contemporâneo do que as próprias pessoas ou empresas decidirem seus destinos, entendendo e enfrentando seus conflitos, sem depender da intervenção paternalista do Estado.
A atuação do advogado que caminha em consonância com a evolução dos anseios da sociedade, evoluiu rapidamente e hoje ele deve se colocar ao lado de seu cliente, não somente para a interpretação dos intrincados ordenamentos jurídicos, mas sobretudo como um intérprete de suas inquietudes, analisando juntamente com eles e compartilhando as responsabilidades na reflexão da escolha da melhor forma de resolução do conflito que se apresenta, atendendo aos legítimos interesses de seus clientes e dividindo o protagonismo.
E quando se analisa os reais interesses, deve-se levar em conta não somente o bem estar econômico, mas muitas vezes o reconhecimento, a segurança, o controle da situação, o sigilo, a celeridade, a recomposição das relações e um sem número de aspirações e anseios que podem se apresentar em um caso concreto.
Mas, se por um lado ao advogado não é permitido a ignorância dos meios consensuais ofertados, por outro é necessário que ele tenha confiança no processo auto-compositivo para poder embarcar em uma Mediação com o seu cliente. E é certo que confiança se adquire e está pautada em conhecimento, credibilidade, experiência e habilidade e expertise do operador. Por mais que a Mediação esteja prevista nos ordenamentos jurídicos e seja, de fato, uma prática, é necessário também que ela esteja inserida dentro dos códigos da sociedade, ancorada naquela cultura e mais ainda, vinda de um conhecimento construído por todos os agentes envolvidos.
A Confiança na Mediação também foi o tema da última reunião ordinária da Comissão da Advocacia na Mediação e na Conciliação da Ordem dos Advogados do Brasil – seção de São Paulo. Reunião, feita de forma aberta e acessível a todos, que a Comissão, da qual faço parte como Secretário-geral, com a presidência inspiradora da Ana Luiza Isoldi, realiza mensalmente. Nesta oportunidade foi convidada a psicóloga, mediadora e PhD em Desenvolvimento Humano, Corinna Schabbel, para palestrar sobre o tema confiança. Lá, a palestrante, baseada nos trabalhos de Luhmann e Kant, alertou:
“Com o histórico da Mediação no Brasil associado à falta de um processo de aculturação massivo, é pequeno o universo que, ao ouvir falar do procedimento de Mediação, é remetido a um significado conhecido, ancorado no sistema de crenças e redutor de complexidade sistêmica, uma referência necessária para a validação de confiança.”.
Corinna abordou também, precisamente, o conceito de confiança no aspecto psicológico:
“Confiança implica que eu tenha uma vulnerabilidade que me é conhecida, que parte do meu sistema de crenças, e eu entrego na mão do Outro a possibilidade de ele ter um conhecimento ou informação para me ajudar a resolver esta questão que eu não estou conseguindo resolver sozinho. Nós somos seres sócio-históricos e à medida que vamos crescendo, vamos buscando a confiança a partir de um conteúdo do nosso histórico.”
Interpretando Kant, nós sabemos muito, mas não conhecemos muito. Só conhecemos aquilo que a gente experimenta ou aquilo que se transforma em experiência ou significado, pessoal ou compartilhado.
Já Luhmann, em um pequeno livro ainda não traduzido para o português: “Confiança, o redutor de complexidade.” afirma, segundo a Corinna em sua palestra:
“A confiança se desenvolve a partir do conteúdo sócio-histórico de cada um de nós, porque ele nos remete ao passado para construir um futuro seguro”.
Isso significa que a informação passada de que aquele profissional é confiável, facilita para que eu participe, no caso, de uma Mediação, remetendo a um conhecimento que eu já tenho, para poder enfrentar com mais tranqüilidade e segurança.
As pessoas que entram em um ambiente de Mediação, nos Cejuscs espalhados Brasil afora ou na esfera privada, se não tiveram a devida orientação e informações de seus conselheiros jurídicos, estarão entrando em um quarto escuro e somente terão o conhecimento do processo e procedimentos da Mediação naquele momento.
Assim, a lição que fica é que a confiança (no processo e no profissional) é a palavra chave para um advogado, juntamente com seu cliente, optarem por escolher a Mediação como caminho para a solução de um conflito. E, como vimos, a relação de confiança depende da relação de troca desencadeada pelo compartilhamento de experiências ao longo do tempo e da convivência entre pessoas ou pessoas e instituições. E ainda, que este conceito esteja inserido naquele sistema (sociedade).
Charles Green, ao desenvolver uma fórmula matemática (in The trust equation: a prime. 2008) para o entendimento da confiança, acrescenta mais um elemento no denominador da equação: a auto orientação do agente ou como o agente entende sua vaidade e seu grau de narcisismo.
Conhecimento ou expertise + credibilidade + intimidade
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Auto orientação (vaidade, auto imagem, narcisismo, personalidade)
Assim, ao meu entender, o ciclo todo se fecha: quanto maiores o grau dos numeradores e menor o denominador, maior será o grau de confiança.
Então, podemos concluir que está nas mãos dos próprios Mediadores e operadores do Direito, a enorme e grata responsabilidade de difundir para a sociedade a seriedade do instituto da Medição. Somente com o devido profissionalismo, preparo, ética e formação contínua de todos é que a Mediação poderá ter o devido peso dentro dos métodos apropriados de resolução de conflitos. Isto somado a esforços de difusão em massa do instituto da Mediação de maneira apropriada e correta, bem como a aculturação da sociedade e implementação de estudos nas comunidades acadêmicas, para que ela adquira este conhecimento e assim possa haver confiança, se tornando a Mediação um conceito cultural no Brasil para que todos tenham acesso à ela.
Nos veremos mais por aqui, escrevendo sobre Mediação para que todos conheçam cada vez mais esta forma sensacional de resolução de conflitos.
Zé Mangini
*Formado em Direito na PUC-SP. Empresário e criador da plataforma digital 5511SP. Mediador certificado pelo CNJ e pelo ICFML. Secretário-geral da Comissão da Advocacia na Mediação e na Conciliação da OABSP e pós-graduando em Métodos Adequados de Resolução de Conflitos Humanos, pela ESA/OAB/SP. Faz parte do Time ALGI.