Ana Luiza Isoldi*
RESUMO: este trabalho tem como objetivo trazer informações úteis para facilitar algumas decisões para a gestão de conflitos no contexto da hospedagem. Busca reflexões para as seguintes perguntas: quais os conflitos mais comuns nos meios de hospedagem? Como gerenciar estes conflitos? Quais abordagens são mais eficientes? Que critérios utilizar na escolha do método de gestão de conflitos?
PALAVRAS- CHAVE: hospedagem; gestão de conflitos; métodos de gestão de conflitos.
ABSTRACT: this work aims to bring useful information to facilitate some decisions for conflict management in the context of hosting. It seeks reflections on the following questions: what are the most common conflicts in the context of hosting? How to manage these conflicts? Which approaches are most effective? What criteria to use when choosing the conflict management method?
KEY WORDS: hosting; conflict management; conflict management methods.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Hospitalidade. 3. Gestão de conflitos. 4. Gestão de conflitos nos meios de hospedagem. 5. Considerações finais. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Os meios de hospedagem são sistemas complexos, com alto potencial conflitivo, já que oferecem variados serviços num mesmo contexto, distribuídos em subsistemas que se sobrepõem e interagem.
Hospitalidade, gestão de conflitos e experiência dos clientes são temas atuais não só no setor de hospedagem como também nas empresas em geral.
Não basta cumprir os contratos, é importante satisfazer e encantar os clientes para gerar leadsespontâneas e a boa reputação da sua empresa nas mídias sociais.
É notória a preocupação do setor hoteleiro com as pontuações nos sites das agências de viagem online, tais como Booking, TripAdvisor, Trivago, Expedia, que oferecem o serviço de distribuição das unidades habitacionais dos hotéis.
Para manter as mídias bem posicionadas, na velocidade que hoje as coisas se propagam no mundo digital, muitas vezes as empresas cedem e negociam mal, gerenciando os conflitos sem planejamento adequado.
Isto também se observa no setor hoteleiro, onde é comum que a reclamação gere uma cortesia.
A excelência em hotelaria está basicamente associada ao serviço prestado com hospitalidade, que atenda às necessidades de seus clientes.
Não há manual de operações nem roteiros, por mais completos que sejam com regras e sugestões previamente definidas, que consigam dar conta de todo este potencial conflitivo.
Cabe ao gestor acompanhar, orientar e dar suporte aos colaboradores para prevenir, gerir e solucionar conflitos.
Observar a comunicação, acolhimento, cultura, convivência, regras, acordos, diversidade, interação, conexão, reciprocidade, relacionamento, inclusão, exclusão, mudanças, dentre outros elementos, faz toda a diferença para buscar soluções eficientes.
2. HOSPITALIDADE
Conhecer aspectos da hospitalidade e da inospitalidade, que inclui a hostilidade, amplia a compreensão sobre como lidar com os conflitos no contexto da hospedagem.
Para Montandon (2011, p. 31), “hospitalidade é uma maneira de se viver em conjunto, regida por regras, ritos e leis”. Derrida (2003) a define como o nome geral para todas as relações com o outro. Lashley (2005), define hospitalidade como relacionamento. Mauss (2015), descreve a teoria da reciprocidade, incluindo os comportamentos de dar, receber e retribuir, que permeia a hospitalidade. Hellinger (2014), elabora os princípios sistêmicos: a) ordem; b) pertencimento; c) equilíbrio entre o dar e o receber, que guarda relação com a teoria da reciprocidade proposta por Mauss.
Percebe-se a amplitude da hospitalidade contém em si vários outros conceitos, tais como, regras, acordos, diversidade, abertura para o externo, interação, conexão, reciprocidade, relacionamento, pertencimento, vínculo, empatia.
Engloba receber e dar abrigo a pessoas estranhas, desconhecidas, que vem de fora, com culturas e costumes diferentes, para conviver num mesmo espaço e contexto, por um tempo geralmente curto, e, ao mesmo tempo, lidar com as diferenças, com invasão do espaço, e acolher, sorrir, permitir entrar e oferecer apoio, para que se sintam confortáveis, tal como ou melhor do que se estivessem em suas próprias casas.
Então, nos meios de hospedagem, a hospitalidade deve ser a regra. Mas também comporta a inospitalidade e até a hostilidade, proveniente do medo, do desinteresse, da falta de vontade de relacionar-se com o outro, de manter contato, até mesmo para uma simples troca de palavras cordiais ou conversa. E a partir de diferentes reações, surgem os conflitos, fruto da hostilidade.
O convite é para olhar para o tema da hospitalidade sob o viés da gestão de conflitos, e, quem sabe, redescobrir o mundo a partir de uma lógica mais ampla e cheia de opções e oportunidades, em vez da escassez.
3. GESTÃO DE CONFLITOS
A inospitalidade leva ao conflito. A hotelaria é, por natureza, potencialmente conflitiva.
O gerenciamento de um hotel pressupõe a organização de subsistemas interligados: hospedagem (recepção e governança), eventos, lazer, alimentos e bebidas, administração (gestão de pessoas, suprimentos, logística, financeiro, manutenção), marketing (oferta e comercialização). Todos estes subsistemas são interdependentes e precisam estar engrenados para que o hotel funcione, pois impactam entre si.
Os conflitos surgem porque muitas vezes as pessoas pensam, desejam, se comunicam e agem de variados modos numa mesma situação. E esperam que os outros ajam igual.
Cada pessoa é única, conforme seu contexto, história, experiências, características, fase de vida, que influencia sua reação quando algo sai diferente do que esperava.
A vida é feita de escolhas, e as escolhas geram mudanças. As mudanças fazem parte da vida. É da natureza humana resistir às mudanças e, como as mudanças são inevitáveis, surgem os conflitos. Os conflitos refletem as mudanças, e as soluções reorganizam os conflitos.
Assim, imprescindível compreender a dinâmica dos conflitos para otimizar sua gestão.
Ury, Brett e Goldberg (2009, p. 35-53), em estudo sobre resolução de conflitos no âmbito organizacional, propõem três abordagens num um sistema interdependente e integrado, incluindo basicamente três métodos, baseados em: a) força (no qual quem tem poder, impõe sua vontade, coage alguém a fazer algo que voluntariamente não faria, tal como ocorre numa situação de guerra, greve de fome, piquete); b) direito(em que se reconhece que uma norma, regra ou legislação é legítima e justa para definir quem tem razão, tal como ocorre no Poder Judiciário, na arbitragem, nos contratos, nos regulamentos internos das empresas); c) interesses (em que se busca uma solução que atenda aos interesses de todos, a partir da colaboração, tal como ocorre na negociação e na mediação).
Vislumbrando os meios de hospedagem, começamos a imaginar situações em que essas diferentes abordagens podem ser utilizadas, ora preponderando um método, ora outro.
Para encontrar a abordagem mais adequada a cada conflito, os autores analisam o impacto em relação a: a) custos decorrentes do conflito (que incluem custos diretos e indiretos, tais como tempo, dinheiro, energia emocional; custos de oportunidade, decorrentes da privação de bens ou direitos disputados, que indica o valor do benefício abandonado ao escolher uma alternativa em vez de outra, oportunidades perdidas; e custos de transação, aqueles envolvidos para obter informações, negociar, monitorar e fazer cumprir o contrato); b) satisfação com os resultados (atendimento dos interesses, percepção de ganhos mútuos, percepção de justiça sobre o conteúdo e sobre o procedimento, oportunidade de exprimir seu ponto de vista, capacidade de intervenção e de formulação de opções para solução); c) efeitos produzidos na relação(capacidade de manterem uma colaboração cotidiana futura); d) recorrência conflitual (capacidade de sustentar os acordos feitos, evitar conflitos e resolverem por si mesmos questões posteriores).
Concluem que o sistema mais eficiente é aquele que consegue progressivamente ter mais conflitos resolvidos com base nos interesses, em seguida no direito, e em menor número na força, utilizando-se os parâmetros mencionados.
4. GESTÃO DE CONFLITOS NOS MEIOS DE HOSPEDAGEM
No contexto dos meios de hospedagem, podemos observar conflitos em âmbito interno e externo.
Internamente, os conflitos aparecem nas relações presentes nos Conselhos, Presidência, Diretorias; entre equipes e departamentos de cada Diretoria; entre as diferentes unidades da mesma rede; entre o hotel e funcionários e colaboradores; entre hóspedes; entre prestadores de serviço dentro do hotel; entre o hotel e pessoas jurídicas dentro do hotel (lojas, cabelereiro, spa); entre participantes de projetos dentro do hotel com parceiros e convênios; dentre outros.
Externamente, os conflitos aparecem nas relações presentes entre o hotel e entidades de classe (associações e sindicatos); entre hotéis; entre o hotel e o Poder Público; entre o hotel e fornecedores e prestadores de serviços; entre participantes de projetos externos com parceiros e convênios; entre o hotel e pessoas, condomínios e comerciantes da vizinhança; entre o hotel e policiais e seguranças; entre o hotel e visitantes; etc.
Em relação aos hóspedes, alguns pontos especialmente costumam gerar desconforto: falta de segurança física e patrimonial; sujeira; falta de manutenção ou equipamentos quebrados; demora ou ineficiência no atendimento; fila; tratamento inadequado ou descortês; diferença de expectativa; falta de compreensão ou escuta; abalroamento de veículo; furto.
Os temas mais comuns relacionados a conflitos são: contratos em geral (com agências de turismo; obras e construção; fornecedores; prestadores de serviços; hospedagem); contratos, autorizações e licenças relacionadas ao Poder Público; relacionamento (hóspedes; prestadores de serviços; colaboradores; fornecedores); questões ambientais; questões trabalhistas e de ambiente do trabalho; posse, propriedade e locação; marca, patentes e autoria; questões cíveis em geral; questões criminais (roubo, furto, lesão corporal, morte, armas, drogas, menores, etc.); questões relacionadas ao Estatuto da Criança e Adolescente.
Em rápida pesquisa de jurisprudência nos processos judiciais, é perceptível que causas comuns no âmbito da hospedagem estão relacionadas a questões de consumo e de segurança física e patrimonial.
As causas mais comuns envolvem: uso de piscinas; móveis quebrados; quedas; intoxicação alimentar; insetos e animais; queimaduras; roubos, furtos, guarda inadequada de bens; abalroamento de veículos; hóspedes trancados no elevador; violência física; falta de energia elétrica; acessibilidade; hospedagem de menor; ofensas; preconceito; desconformidade contratual; reformas; doença ou falecimento de hóspede; diferença sobre consumo e tarifa.
Trazendo como exemplo a experiência da hospedagem, o cliente normalmente escala os métodos de resolução, em busca de satisfação. O mais comum é que inicie com uma negociação direta, solicitando algo a quem estiver mais próximo ou entender competente para tanto, buscando uma forma prática e rápida de solução. Quando não é atendido, total ou integralmente, é comum que deixe uma reclamação por escrito, seja na avaliação do hotel, seja nas mídias sociais. Se ainda não se resolver, é possível que busque o serviço de atendimento ao consumidor e depois a Ouvidoria, às vezes também sites de reclamações. Até esta fase, ainda está em busca de uma negociação.
Se não consegue resolver, é bem possível que comece a buscar soluções que tragam algum efeito jurídico ou que contem com o apoio de um terceiro, como o PROCON, a conciliação e a mediação.
E se estes métodos ainda são insuficientes, é possível que busque solução imposta pelo Judiciário ou por arbitragem (mais comumente quando há cláusula contratual prévia, e que o consumidor tenha esclarecimento sobre o procedimento, esteja consciente da convenção e queira participar).
Para escolher o método mais adequado, é útil usar os critérios anteriormente elencados: a) custos decorrentes do conflito (qual método é mais barato?); b) satisfação com os resultados (por qual método provavelmente terei meus interesses atendidos?); c) efeitos produzidos na relação (qual método preserva ou melhora o relacionamento?); e, d) recorrência conflitual (qual método facilita a prevenção de conflitos futuros?).
5. CONCLUSÃO
A complexidade dos meios de hospedagem é potencialmente conflitiva.
Muitas vezes a hospitalidade leva à hostilidade.
Há diferentes abordagens (força, direito e interesses) e métodos (negociação, mediação, conciliação, arbitragem e jurisdição estatal, dentre outros) para lidar com os conflitos.
Cada mecanismo é adequado a um determinado conflito em concreto, e o processo de escolha e tomada de decisão é influenciado por fatores pessoais, econômicos e sociais.
Os critérios propostos por Ury, Brett e Goldberg (2009, p. 35-53): a) custos; b) satisfação; c) efeitos na relação; e, d) recorrência conflitual, servem de norteadores para a escolha do método mais adequado para o conflito.
A identificação do melhor método, que contemple a complexidade dos meios de hospedagem, é importante para gerar eficiência e melhoria na experiência do cliente.
BIBLIOGRAFIA
DERRIDA, J.; DUFOURMANTELLE, A. Anne Dufourmantelle convida Jacques Derrida a falar de hospitalidade. Rio de Janeiro: Escuta, 2003.
HELLINGER, Bert. Ordens do amor: um guia para o trabalho com as constelações familiares. São Paulo: Cultrix, 2014.
LASHLEY, Konrad; MORRISON, Alison (orgs.). Em busca da hospitalidade: perspectivas para um mundo globalizado. São Paulo: Manole, 2004 e 2005.
MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. Lisboa: Edições 70, 2015.
MONTANDON, Alain. O livro da hospitalidade: acolhida do estrangeiro na História e nas culturas. São Paulo: SENAC, 2011.
URY, William, BRETT, Jeanne, GOLDBERG, Stephen. Resolução de Conflitos. Lisboa: Actual, 1993.
Ana Luiza Isoldi
* Fundadora da ALGI Mediação, Consultoria e Treinamentos. Advogada. Mediadora com certificação internacional master ICFML – IMI, trabalha com mediação privada há quinze anos. Presidente da Comissão da Advocacia na Mediação e na Conciliação da OABSP – Ordem dos Advogados do Brasil Seccional São Paulo (2019/2021). Formada pelo Mackenzie, fez mestrado em Direito do Estado na PUC/SP e em Negociação e Mediação na IUKB (Argentina), com especialização em Direito Público (EPM), Dinâmica dos grupos (SBDG), Métodos de Soluções Alternativas de Conflitos Humanos pela Escola Paulista de Magistratura (EPM), Gestão de Meios de Hospedagem (SENAC). Desenvolveu ao longo de sua vida profissional funções institucionais no CONIMA, CBAr, ICFML, OAB, SBDG. Recebeu a menção Brazil´s Best Mediators, pela Leaders League (2019 e 2020). Facilitadora do ICFML Brasil. Docente em cursos de capacitação e aperfeiçoamento, especialização e workshops.
Texto originalmente publicado no livro Manual de Solução de Conflitos / coordenação editorial de: Allessandra Canuto, Ana Luiza Isoldi e Mauricio Sita, 1. ed. Literare Books International, 2019. 272 p.