Realizado pela Comissão de Empreendedorismo Criativo e Startups da OAB-SP, em parceria com a Nahas Sociedade de Advogados e o Volt Coworking, o encontro aconteceu na última segunda-feira (27/08), em São Paulo.
Na ocasião, advogados e empresários se reuniram para discutir o ‘Futuro da Mediação nos ambientes digitais’ e se posicionaram contra a aprovação do PL 5.511/2016, que pretende tornar obrigatória a participação de um advogado na solução consensual de conflitos, tais como a conciliação e a mediação.
Os advogados Rodrigo Bruno Nahas (sócio-diretor da Nahas Sociedade de Advogados e membro da Comissão) e Arthur Braga Nascimento (Presidente da Comissão de Empreendedorismo Criativo da OAB-SP), foram os responsáveis pela apresentação de abertura do evento.
Melissa Gava, fundadora e CEO da Mediação Online MOL, falou sobre “O Cenário da Mediação no Brasil e a Mediação Digital”. Já o professor da Fundação Getúlio Vargas, Daniel Arbix, falou sobre os “Desafios para startups de mediação e as consequências do PL5.511/2016 para a mediação e a advocacia.
As mediadoras Silvia Brega (Advogada da Simonaggio e Coordenadora do GEMEP/CBAR), Alessandra Bonilha (Representante do CONIMA) e Ana Luiza Isoldi (Head Mediação e Algi Mediação), foram responsáveis por comandar a mesa de debates.
Para o advogado Rodrigo Bruno Nahas, “esta obrigação seria – e a depender dos trâmites, será – desastrosa para o Brasil, representando um retrocesso imenso por inúmeras razões, das quais destacamos:”
1– Desestímulo à resolução extrajudicial de conflitos. A resolução alternativa (adequada) de conflitos precisa ser estimulada no Brasil – este é o consenso evidente no Poder Judiciário, no meio empresarial e na academia, é a vontade demonstrada pelo Congresso ao aprovar o Novo Código de Processo Civil (art. 3º, (§ 3º) e a Lei de Mediação. O PL, porém, paradoxalmente coloca obstáculos para a resolução de conflitos pelas próprias Partes, as quais já vinham viabilizando soluções digitais, das mais diversas frentes, para a solução de conflitos, como acontece no portal “ https://www.mediacaonline.com/”.
2– Maiores custos para mediações e conciliações. A mediação e a conciliação são formas de as partes, com a ajuda de um terceiro neutro, resolverem amigavelmente seus conflitos. As soluções alcançadas são acordos simples, nos quais as partes podem fazer concessões recíprocas. A presença de advogados, obrigatória neste caso, tornaria as mediações e conciliações mais custosas, sem qualquer benefício para as partes e com impacto negativo sobre o acesso à justiça.
3– Má técnica legislativa. Segundo a exposição de motivos, o PL não pretende impor a participação de advogados em quaisquer soluções de conflitos, mas apenas naquelas que “dependam de uma atuação técnica e especializada”. Pelos exemplos arrolados no texto legal proposto, este seria o caso da resolução de controvérsias amparada por um terceiro neutro, como as mediações e conciliações. No entanto, o rol é apenas exemplificativo. A expressão utilizada, “solução consensual de conflitos”, corresponde ao universo total de conflitos sociais resolvidos pacificamente, por exemplo: desavenças conjugais, conversas entre consumidores e SACs empresariais ou divergências sobre a escalação da seleção brasileira. Nos termos da Lei Complementar 95/1998, seria necessário esclarecer se a participação de advogados é pretendida (a) somente nos casos em que já existe lide (termo técnico do Código de Processo Civil) ou (b) apenas nos casos em que um terceiro neutro auxilia as partes em conflito. Em ambos os casos o texto precisaria ser aprimorado, mas na hipótese (a) o PL seria desnecessário, considerando-se o atual Código de Processo Civil e a Lei de Mediação (que distingue a mediação judicial e a mediação privada, exigindo a participação do advogado naquela- Lei 13.140/2015, arts. 10 e 26).
4– A participação de advogados não é necessária para a solução consensual de conflitos. A legislação brasileira já é extremamente detalhada com relação aos acordos obtidos consensualmente.
5– Direitos disponíveis. O Código Civil, ao prever a transação (art. 840ss), limita-a aos direitos patrimoniais de caráter privado. Direitos indisponíveis ou de terceiros não podem ser afetados por negócios jurídicos entre partes que buscam prevenir ou resolver um litígio. Caso as partes precisem homologar um acordo em juízo, haverá controle judicial do que foi acordado.
6– Mediadores e conciliadores possuem deveres legais. A Lei da Mediação e o Código de Processo Civil (art. 165) já contêm deveres éticos sobre estes terceiros neutros.
7– Direitos processuais só precisam ser assegurados quando há processo. A exposição de motivos do PL elege a participação de advogados como caminho para assegurar o respeito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Estas são preocupações relevantes quando há adjudicação, ou seja, quando um julgador decide algo impositivamente às partes – um juiz togado ou árbitro. Nos casos em que as partes chegam consensualmente a um acordo não há processo e, por consequência, não há devido processo legal, contraditório e ampla defesa no sentido próprio. Os deveres das partes em negociação e dos terceiros neutros na resolução autocompositiva estão previstos no Código Civil e nas leis mencionadas acima. Em todos os casos, a autonomia da vontade, princípio basilar da mediação e da conciliação (como reconhecem a Lei de Mediação, art. 2º, V, e o Código de Processo Civil, art. 166) aplica-se não apenas aos possíveis acordos, mas também ao próprio procedimento adotado, incluindo a presença ou não do advogado. Novamente aqui a Lei de Mediação já estabeleceu a distinção relevante entre mediação privada, para a qual não é necessária a defesa técnica que exige a participação de advogados, e a mediação judicial, na qual ocorre o inverso.
8- A participação de advogados não é necessária para o acesso à justiça. A exposição de motivos do PL confunde “acesso à justiça” com “administração da justiça”. A Constituição Federal exige a presença de advogados na “administração da justiça”, isto é, no processo judicial, pois nele a defesa técnica é fundamental. O “acesso à justiça”, definido como “acesso à ordem jurídica justa”, exige que o controle judicial possa ocorrer, mas também requer que os conflitos sejam resolvidos da forma mais pacífica e rápida possível (este é o entendimento do jurista Kazuo Watanabe, para quem o controle judicial sobre a mediação pode ser indireto, ou seja, manifestar-se apenas se alguma parte, insatisfeita com a mediação, recorrer ao Judiciário, ou se as partes buscarem a homologação do acordo alcançado). Nos casos em que não houver ação judicial, não há necessariamente a necessidade da participação de advogados para que o acesso à justiça se concretize.
9– A exceção do PL ao art. 791 da CLT não faz sentido. O PL faz apenas uma ressalva à participação obrigatória de advogados na “solução consensual de conflitos”, permitindo tais soluções no contexto das reclamações trabalhistas, em que já era possível postular em juízo sem advogados (art 791 da CLT). Porém, não são mencionadas as outras situações nas quais o legislador entendeu que a participação do advogado não é obrigatória nem mesmo em atos realizados pelo Poder Judiciário, como nos Juizados Especiais (Lei 9.099/95, art. 9º e Lei 10.259/2001, art. 10º). Caso o PL ambicionasse apenas esclarecer que advogados são imprescindíveis na mediação judicial, ressalvando as hipóteses da CLT e dos Juizados Especiais, sua redação precisaria ser diferente.
10– A sociedade precisa de flexibilidade para gerir seus conflitos. A mediação comunitária, nas mais variadas formas que assume no Brasil, não pode ficar à reboque da institucionalização da resolução de disputas, seja estatal, seja com a presença de advogados, seja até mesmo com a mediação formalizada. Em lugar de controles estritos, a pacificação social e a cultura colaborativa precisam de mais estímulo e liberdade.